Por Leonardo Henrique Santos Soares
O Direito Penal é um dos diversos instrumentos de controle social, o mais violento de todos, presentes no ordenamento jurídico, visando assegurar a necessária disciplina social para uma harmônica convivência dos membros da sociedade.
Não há dúvidas de que o Direito Penal seja uma importante ferramenta de manutenção da paz social, que à tona quando certas regras de conduta, as mais importantes, são violadas, dando ao Estado o poder-dever de punir o indivíduo desviante.
Como se observa, nossa sociedade vem atribuindo ao Direito Penal, ilusoriamente, o papel de único responsável pela resolução dos problemas sociais. Porém, nessa tarefa de controle social devem atuar diversos ramos do ordenamento jurídico, não só o Direito Penal.
Tendo como principal característica diferenciadora dos demais instrumentos de controle social a aplicação de pena privativa de liberdade, o Direito Penal carece de especial atenção por parte de todos os Poderes do Estado, uma vez que, conforme leciona Alice Bianchini, “um Estado do tipo democrático e de direito deve proteger, com exclusividade, os bens considerados essenciais à existência do indivíduo em sociedade”. (BIANCHINI, 2002, p. 41)
A sociedade vem desenvolvendo uma cultura equivocada que acredita no uso da força em prejuízo do uso do conhecimento, no sentido de ausência de reflexão, deixando de lado a tomada de decisões tendentes a concretizar os direitos e garantias constitucionais, (LEMOS, 2013) para dar lugar a medidas de opressão que tranquilizem, por ora, o clamor público, por meio de um Direito Penal simbólico. (NUCCI, 2014, p. 354)
Ideologia cruéis que elegem o Direito Penal como o instrumento adequado para sanar questões políticas de elevada complexidade, segregam a população mais vulnerável do Brasil: o jovem, pobre e negro, que lotam as prisões brasileiras, fortalecendo o quadro de desigualdade social.
De fácil percepção, o Direito Penal tem clientela específica. (BATISTA, 2007) Os cárceres brasileiros estão lotados de pessoas pobres, em sua grande maioria negros. (YAROCHEWSKY; BASTOS, 2016) São indivíduos que no mais das vezes pagam pela incapacidade que o Estado tem de atender os anseios sociais, desde os mais simples aos mais importantes.
Desde há muito, as classes dominantes visualizam as classes periféricas, negras e pobres, como ameaça de segurança à sua liberdade. São ideologias perversas que carregam o desejo de banimento dos sujeitos lançados à margem da sociedade, para deixar as ruas livres para que a classe dominante possa desfrutar tranquilamente do complexo consumerista formado nas cidades.
Se esquece que as periferias não surgiram por acaso, são fruto do processo histórico em que a sociedade brasileira se formou. A escravidão, sem dúvidas, foi a grande contribuição para a sua formação.
A escravidão era um sistema econômico de produção, quando os negros foram libertados, não estava a classe opressora preocupada em o que fazer com aquelas pessoas, onde elas se alojariam. Quando não conseguiam moradia e trabalho, logo houve o surgimento de infrações penais como a de vadiagem para dar lugar aos desocupados: as prisões. (YAROCHEWSKY; BASTOS)
Um Direito Penal orientado pela seletividade torna-se um instrumento cruel de guerra, disfarçado de política criminal de tolerância zero, que tem como objetivo real o ataque frontal contra determinadas parcelas da sociedade, atuando claramente mais como ferramenta de exclusão de pessoas do que como controlador social pedagógico. (GRECO, 2016, 170)
Analisando as consequências do Direito Penal, verifica-se que muitos já estão presos em nosso país e, quando eles estão lá, o Estado faz muito pouco para a reintegração desses indivíduos à sociedade. Quando eles saem do sistema prisional, a sociedade os marginalizam. Dificilmente um egresso do sistema prisional conseguirá emprego para prover honestamente sua subsistência. (GRECO, 2016, p. 174)
A crença em propriedades mágicas balizadas por leis abusivas, que conferem aos agentes poderes incompatíveis com as liberdades e garantias fundamentais, mais crimes e penas mais duras só acarretam o encarceramento em massa.
A seu turno, a pena privativa de liberdade, consequência lógica do Direto Penal, no formato atual, não tem servido sequer para dar a segurança almejada com a sua adoção, servindo unicamente como caixa destruidora de pessoas indesejadas pelas classes dominantes.
As unidades prisionais brasileiras estão superlotadas. Não se consegue construir número de vagas prisionais no mesmo ritmo que se encarcera no Brasil. O Poder Executivo não consegue prover os serviços e assistência necessários dentro do sistema prisional, atividades de educação e trabalho. Saúde: as pessoas adoecem e morrem muito mais dentro do sistema do que fora dele. (BRASIL, 2015)
Não se pode permitir que o Direito Penal atue com um instrumento de controle brutal de seletividade social, detentor de um padrão de incriminação. É hora de uma mudança na abordagem penal, sem, contudo, se criar mais repressão e mais encarceramento em massa, reconhecendo-se a humanidade básica.
Para minimizar a seletividade penal, é preciso elevar o Estado Democrático além da simples ideia de participação popular, buscando-se uma democracia que dê efetiva concretização de direitos, como defende Luigi Ferrajoli (2002, p.74-75), ressaltando-se que cada vez que se suprime direitos e garantias fundamentais, há um passo a mais ao encontro do autoritarismo e de tradições racistas e seletivas. (SHECAIRA, 2013, p. 298)
Portanto, a presença de um concreto Estado Social dentro e fora do sistema prisional demonstra-se como o melhor rumo a ser adotado, em razão de atuar na base existencial do ser humano, dando às pessoas condições de alimentação, saúde, moradia, educação, trabalho, lazer etc., minimizando, com isso, os efeitos da criminalidade na sociedade, atuando na prevenção e no tratamento dos desvios sociais.